Tristeza: Sua Natureza, Seus Tipos e Como Vencê-la

Tempo de leitura: 15 minutos

Vamos investigar a tristeza: sua natureza, seus tipos e sua relação com o mal.

Geralmente o que uma pessoa triste deseja é libertar-se deste estado o mais rápido possível. Raramente pensa em compreendê-lo melhor, e quando o faz é comum que procure um profissional que a ajude.

Muito, porém, já foi dito sobre a tristeza. Ela já era um problema na Antiguidade Grega, por exemplo.

Afastar-nos um pouco da modo “moderno” de olhar a tristeza (com suas listas de sintomas e busca de desequilíbrios químicos quantificáveis) pode nos ajudar a vê-la com mais clareza.

A Tristeza é Uma Dor

Não deve ser difícil para nós reconhecer o fato de que a tristeza é uma dor. Esse é o nosso ponto de partida.

A tristeza é uma espécie de dor, assim como a alegria é um espécie de prazer.

Para melhor compreender esse fato, precisamos esclarecer os dois modos humanos de conhecer ou apreender a realidade:

  • Apreensão Exterior. O conhecimento que obtemos pela apreensão dos sentidos externos (visão, audição, olfato, paladar e tato).
  • Apreensão Interior. O conhecimento que obtemos pela apreensão da inteligência e da imaginação.

O prazer causado pela apreensão exterior chama-se simplesmente prazer, assim como a dor causada pela apreensão exterior chama-se simplesmente dor.

O prazer de comer e a dor sentida ao recebermos uma pancada são exemplos de dor e prazer causados pela apreensão dos sentidos exteriores — neste caso o paladar e o tato, respectivamente.

Quando o prazer ou a dor são causados pela apreensão interior da inteligência e da imaginação, temos, respectivamente, a alegria e a tristeza.

O prazer de receber uma oferta de trabalho é causado pela apreensão interior da inteligência, que imediatamente compreende que as dificuldades financeiras estão chegando ao fim. Esse prazer recebe o nome de alegria.

Do mesmo modo, a dor de perder o emprego é causada pela mesma apreensão interior da inteligência, que imediatemente compreende todos os desafios que precisará enfrentar para se recolocar no mercado de trabalho. Essa dor recebe o nome de tristeza.

Outra forma de considerar a alegria e a tristeza é dizer que eles são o prazer e a dor “da alma”, já que são sentidos interiormente.

É importante observar que a apreensão exterior é puramente receptiva: captam-se os estímulos do mundo exterior através do sentidos e estes estímulos agem de modo direto sobre nosso corpo.

a apreensão interior é receptiva e construtiva: as ideias que chegam em nossa mente podem ser trabalhadas pela inteligência e pela imaginação, que são capazes de interpretar, modificar e, em certos casos, até falsificar essas ideias.

A capacidade construtiva da mente humana é uma faca de dois gumes: pode aprimorar nossa compreensão de algo (através da construção de exemplos, por exemplo) ou falsificá-la totalmente (imaginando, por exemplo, tragédias e cenários catastróficos).

A Dor é Uma Paixão (Páthos)

Sabemos que a tristeza é uma espécie de dor. Mas o que é a dor?

A dor é o resultado da percepção da presença do mal em nossa vida.

O mal é a privação do bem. Uma doença é má porque nos priva do estado de saúde e uma demissão é má porque nos priva dos recursos que necessitamos para viver.

Dor e prazer estão, portanto, unidos de modo inseparável àquilo que percebemos como mal ou bem.

Mal e bem, por sua vez, são objetos do apetite.

Dizemos que algo é bom ou mal com base no desejo (apetite) que temos de nos aproximar ou afastar dele.

Esse movimento de aproximação ou afastamento do apetite se chama, na filosofia clássica e medieval, paixão.

A paixão (páthos), segundo Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.), é o que nos move ou impulsiona para a ação (práxis). Trata-se, em certo sentido, daquilo que hoje chamamos de sentimento ou afeto1.

A banalidade da tristeza

Dissemos que “o mal é a privação do bem” — é tudo aquilo que nos impede de possuir os bens que desejamos.

A cegueira, por exemplo, é um mal por ser uma privação da visão, que é um bem.

Uma consequência disso é que, para cada bem que desejamos, há um número potencialmente infinito de coisas que podem nos impedir de obtê-lo.

Digamos, por exemplo, que desejo ter “paz de espírito”. Nesse caso, é possível que a pressão das contas a pagar, o prazo para a entrega de um trabalho e o governo com sua burocracia sejam todos obstáculos à essa conquista.

O mal, parece, tem certa vantagem numérica sobre o bem. Isso equivale a dizer que a tristeza tem mais chances de manifestar-se do que a alegria2.

Seria adequado dizer que a tristeza é algo banal, algo que acontece simplesmente porque é “fácil” de acontecer?

Se é assim, seríamos capazes, então, de fornecer menos atenção à nossa própria tristeza?

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Os 4 Tipos de Tristeza

Sabemos que a tristeza é uma dor. Sabemos também que a dor é o resultado de algo que nos priva de um bem e que é, por isso, chamado de mal.

A tristeza, portanto, é um mal — mas não um mal genérico: é o mal em nossa vida, o nosso próprio mal.

O “mal próprio” é a causa da tristeza.

O objeto próprio da tristeza é o mal próprio. Santo Tomás de Aquino3

Toda causa produz um efeito. No caso da tristeza, o “mal próprio” produz como efeito a fuga do apetite.

O efeito próprio da tristeza consiste numa certa fuga do apetite. Santo Tomás de Aquino4

No indivíduo triste a fuga do apetite é evidenciada por expressões como “não tenho vontade de fazer nada” e outras.

Com base na causa e efeito da tristeza, Santo Tomás de Aquino (1225 — 1274) identifica quatro tipos ou espécies de tristeza.

Misericórdia e Inveja

Investigando o objeto ou causa da tristeza, o mal próprio, dois tipos de tristeza são identificados: a misericórida e a inveja.

Na misericórdia, o mal está presente, mas ele não é o nosso próprio mal. A misercórdia é a tristeza pelo mal do outro, que é sentido como o nosso próprio mal.

Se um amigo querido perde um membro da família que não conhecíamos, ficamos tristes porque assumimos o mal que ele sofre como se fosse o nosso próprio mal.

Já na inveja não há nem mal nem propriamente nosso. O que há é o bem do outro, que é considerado como um mal próprio.

É por isso que inveja é tristitia alienum bonum – tristeza pelo bem de outra pessoa. Já estudamos a inveja em detalhes em Inveja: Como Identificar, Superar e Proteger-se.

Ansiedade e Acídia

Investigando o efeito da tristeza, a fuga do apetite, outros dois tipos de tristeza são identificados: a ansiedade (ou angústia) e a acídia.

Nem sempre pensamos na ansiedade como um tipo de tristeza, mas como a psicopatologia refere-se a ela como “um estado afetivo penoso”, vê-se que, ao menos sob certo aspecto, ela é uma tristeza.

A ansiedade caracteriza-se pela expectativa de algum perigo indeterminado e impreciso diante do qual o indivíduo se julga indefeso. Há, então, o apetite (um apetite desordenado que se expressa como expectativa), mas o indivíduo não vê para onde fugir (não há fuga possível).

Na acídia temos o efeito da tristeza operando em sua plenitude. Nela, a fuga do apetite desmobiliza a vontade do indivíduo completamente.

A acídia parece ser algo muito próximo daquilo que hoje chamamos depressão. Ela é uma mistura de preguiça, desesperança e tédio. É um termo de difícil explicação, sobretudo pela falta de uso nos dias de hoje.

Leia também: Estar Ansioso é Andar em Círculos: Tenha Pressa, Mas Devagar

Como Vencer a Tristeza

Sabemos o que é a tristeza: uma dor interior causada pela apreensão intelectual ou imaginativa de um mal — e esse mal é a privação de um bem.

Como podemos combater este estado de abatimento? Em Como Vencer o Desânimo demos uma série de conselhos úteis. Aqui vamos explorar mais algumas ideias.

Por ser uma realidade interior, o campo da batalha contra a tristeza é a nossa mente. É preciso saber empregar a inteligência como uma arma.

Convém perguntar-nos, em primeiro lugar, se o mal (ou o bem do qual se está privado) que nos aflige é verdadeiro ou aparente?

Um dependente químico pode estar triste pela privação da droga, que ele considera um bem5. A droga, no entanto, é um bem aparente. Estar triste, neste caso, é o melhor para o indivíduo.

Já o pai de família sem o seu emprego está triste por estar privado de um bem verdadeiro: um emprego.

O mal que é a causa da nossa tristeza é verdadeiro ou aparente? Essa distinção é essencial.

O mal verdadeiro

Se identificamos que a causa da nossa tristeza é um mal verdadeiro, isso significa que estamos privados de um bem também verdadeiro.

Tínhamos esse bem e o perdemos? Ou nunca o tivemos?

Se o tínhamos e perdemos, devemos perguntar-nos se ele pode ser reconquistado ou substituído. E, se sim, como?

Se nunca o tivemos, devemos perguntar-nos, primeiro, se é razoável querê-lo e, caso seja, como podemos obtê-lo.

Trata-se, portanto, de esforçar-se para ver uma saída, uma linha de ação capaz de nos fazer possuir o bem do qual estamos privados.

O erro aqui é o “ficar na expectativa”, à espera de que algo aconteça e de que o bem do qual estamos privados chegue até nós sem uma ação efetiva de nossa parte.

O mal aparente ou falso

As faculdades construtivas da nossa mente, inteligência e imaginação, frequentemente nos enganam.

São até mesmo — vou dizer! — traiçoeiras. Pensa-se ou imagina-se demais e o resultado é quase sempre ruim: desânimo, tristeza, inveja, ansiedade, medo.

Se o mal que produz em nós a tristeza é falso, o que fazer?

Deve-se, num salto por cima, deixá-lo atrás de nós e não nos voltarmos para olhá-lo. Deve-se, sem demora, atirá-lo ao esquecimento.

Assim com a fixação nas nossas fraquezas nos faz passar do sentimento de inferioridade ao complexo de inferioridade, é provável que a fixação num mal imaginário nos faça chegar num grau mais profundo de tristeza, que chamamos depressão6.

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A Tristeza Alienante

A insistência na tristeza pode ser um recurso utilizado para esquivar-se à luta da vida, uma desculpa para o não cumprimento dos nossos deveres.

A tristeza converte-se, nesse caso, num instrumento para a alienação, seja esta voluntária ou involuntária.

A alienação é a recusa da estrutura da realidade e uma revolta cognitivamente irresponsável contra ela.

Cada indivíduo deve investigar a própria tristeza com total sinceridade afim de descobrir se ela é uma fuga das exigências da vida.

A fuga das exigências da vida é um naufrágio existencial e se caracteriza por uma recusa de empreender os esforços necessário para vencer circunstâncias adversas e situações desfavoráveis.

É preciso assumir a vida e não fugir das responsabilidades legítimas que ela nos impõe ou que impomos a nós mesmos como meio de realizar nossa vocação e propósito. Fugir destas responsabilidades ou consentir estar sempre abaixo delas é enfraquercer-se.

É preciso lutar.

A tristeza fabricada

É preciso lutar, mas é preciso saber escolher as batalhas.

As exigências da vida (e sobretudo as da sociedade humana) não são todas iguais. Existem as legítimas e as falsas.

As exigências legítimas produzem o nosso amadurecimento e crescimento. São razoáveis e possíveis.

As falsas foram fabricadas para nos rebaixar e humilhar. São, em geral, exageradas e distantes, destinadas a poucos.

A publicidade, por exemplo, tem um imenso poder para fabricar tristezas. Ela pode nos fazer crer que, se não possuímos certos bens, somos como que “cidadãos de segunda linha”.

Do mesmo modo, se temos uma vida comum e aceitamos o ideal socialmente disseminado de que a “boa vida” é a vida repleta de prazeres, estaremos fabricando para nós a tristeza.

É preciso saber distinguir, entre as exigências e ideais circulantes na cultura, aquelas que são legítimas daquelas que foram criadas apenas para no debilitar e enfraquecer.

Leia também: Como Descobrir Seus Valores Pessoais

A Tristeza Adequada (ou Como Ficar Triste)

A tristeza é inevitável. Nenhum ser um humano está dispensado de sofrer pela privação de um bem que foi perdido ou que nunca chegou a possuir.

O mal visita todos os homens.

É preciso, porém, saber entristecer na medida certa. A tristeza, como vimos, exige de nós o esforço da busca por uma saída.

Como podemos reconquistar o bem perdido ou conquistar o bem que nunca tivemos e que desejamos?

A tristeza adequada, portanto, é aquela que, apesar de deprimir o nosso ânimo, não nos desmobiliza por completo, paralisando-nos.

Nossas capacidades mais elevadas, a inteligência e a vontade, devem continuar operantes. Podem, claro, operar abaixo do seu estado ótimo, já que a tristeza pesa sobre elas, mas não devem perder por completo a sua eficácia.

Tristes, devemos ainda ser capazes de pensar e agir: de compreender o desafio que temos diante de nós, formular possíveis soluções para ele e agir conforme a solução escolhida.

A tristeza não deve ocupar todo o campo da nossa consciência e tornar-se nossa única preocupação. Tão logo tenhamos uma solução para o nosso problema, a tristeza deve ser posta de lado para nos permitir fazer algo por nós mesmos.

A tristeza como obsessão é uma tragédia. Todo problema, com exceção da morte, tem sua solução.

A Ambição do Contentamento

Existe algo de libertador em abrir mão de coisas, em desistir delas.

Se a tristeza é resultado da privação de um bem, o que aconteceria se, por livre escolha, desistíssemos deste bem?

Essa avaliação deve dar-se caso a caso, claro. Certos bens podem ser deixados, outros não.

É certo, porém, que o mundo e a vida estão cheios de bens, materiais e espirituais. Desistir de um bem cuja falta é causa da nossa tristeza, não significa uma diminuição da bondade da nossa vida.

É possível, nas palavras de Ortega y Gasset (1883 — 1955), operar uma “reabsorção das circunstâncias” e encontrar contentamento num bem completamente novo.

Se esse bem é, para você, algo desconhecido, recomendo a leitura de Como Encontrar Seu Propósito de Vida e Descobrir Sua Vocação.

Todos os homens têm gênio, se forem capazes de descobrir seu próprio gênio. Mas o difícil está aí: quase sempre não fazemos outra coisa senão invejar outrem, imitá-lo e buscar ultrapassá-lo, em vez de explorar nosso próprio âmago. E não se pode esquecer que, toda vez que somos fiéis a nós mesmos, sentimos um ardor lúcido que ultrapassa todos os outros prazeres, retira-lhes todo o sabor e daí por diante os torna inúteis. Louis Lavelle7

Em que medida o mal que é causa da nossa tristeza não surge pela recusa de explorarmos nosso próprio âmago?

Notas de rodapé

  1. Tratei sobre o afeto como um “motor da vontade” no artigo Força de Vontade: Conheça e Domine as Leis da Motivação e da Determinação.
  2. Assim como no caso do sentimento de inferioridade, abordado no artigo O Sentimento de Inferioridade: Suas Causas e Sua Superação, percebo que na “luta contra a tristeza” nós estamos em posição muito desfavorável para vencê-la.
  3. Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, I-II, q. 35, a. 8
  4. Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, I-II, q. 35, a. 8
  5. Há nuances neste ponto. A droga é um bem no sentido de que produz prazer corporal ao usuário. Muitos usuários, no entanto, reconhecem plenamente que a droga é um falso bem. Eles estão como que presos entre um bem aparente, que o corpo deseja (dependência química), e o bem verdadeiro que a inteligência lhes mostra (a sobriedade ou, como se diz, o “estar limpo”).
  6. Faço aqui uma simples dedução, sem nenhuma intenção de fazer uma afirmação clínica.
  7. Louis Lavelle, A Consciência de Si, 2014, p. 118.